Carta para minha mãe

Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 2022

Dona Raimundinha Mendes Soares, minha mãe

Dona Raimundinha, minha mãe,

Sua bênção!

Tá tudo bem por aí?

Preparo-me neste derradeiro dia de 2022 para lhe escrever esta carta. Aliás, prática fora de moda nestes tempos modernos. Mas, como eu sei que a senhora sempre adorou receber cartas dos filhos, que se jogaram mundo afora em busca de sobrevivência, cá estou, cumprindo esta saudável missão, com o coração cheio de carinho e afeto.

Pra começar, meus parabéns pelos seus 100 anos, que estamos comemorando hoje. Destes, 94 entre nós; já que, há seis, a senhora foi comemorar com o papai e nossos outros irmãos, aí no céu.

Nestes últimos dias de dezembro, desde o dia 20, aniversário do papai (que faria 104), nós, seus filhos, num grupo de Whatsapp que temos, rimos e nos emocionamos muito, falando sobre a senhora e o seu Gerardo Soares. A tia Toinha, sua irmã, também tá neste grupo.

Dona Raimundinha, a senhora é uma graça!  E mesmo depois de sua partida, ainda estamos descobrindo coisas que a senhora aprontou por aqui. Por isso, nada de reclamar que tô escrevendo com dois dias de atraso… Sempre comemoramos seu aniversário no dia 29 e não no dia 31 de dezembro. Eu sei disso! O que eu não sabia era que a data correta é 31 e não 29; já que a senhora, por conta própria, mudou o dia do seu nascimento, devido achar que o último dia do ano é muito concorrido em festividade, e por conta disso, seu aniversário poderia “passar batido”… Essa foi boa! E, achando pouco, mudou também o ano: de 1922 para 1924. Portanto, hoje comemoramos o seu centenário e não 98 anos.

“É uma prosa, Guinã!”, diria a senhora.

Tem mais! Também diminuiu 2 anos na idade do seu irmão, o Tio Neco, que ficou uma fera ao só poder se aposentar com 2 anos de atraso. Estes esclarecimentos de datas foram feitos pelo Rômulo. Ele os ouviu da vovó.

Durante o mês de dezembro, e perto do dia das mães, há uma energia maravilhosa que circula entre nós. O Chico acabou de sonhar com a senhora. O Rômulo, também! Sabemos que estes sonhos são visitas. Eu mesmo já os tive várias vezes. Nós adoramos reencontrá-la em sonho!

O Wellington postou uma foto do Ari, entre a senhora e a Nini!

…Olhe aí a poesia que o Antônio José fez para senhora:

Vejo mamãe na calçada

Toda arrumada e bonita

Sinto mamãe abraçada

Me fazendo uma visita.

Minha mãezinha adorada 

Como um filme desta fita

Olho o passo da jornada

Mamãe alegre ou aflita

Será sempre celebrada

Por esta data bendita.

Poesia é a nossa praia! Em todas as comemorações de Dia das Mães nas escolas que estudávamos, lá estavam os filhos da Dona Raimundinha, emocionando o público com belos poemas, principalmente do poeta Giuseppe Ghiaroni.  Eu e o Antônio José aprendemos a recitar com a Nini, o Wellington e o Chico. Eles aprenderam não sei com quem!

Emoção é uma palavra ímpar!

Passei por uma!!! Vamos lá! A senhora partiu no dia 6 de março de 2016 em Fortaleza. Fomos à Massapê para nos despedirmos. Isso, já no dia 7. Após a despedida, voltamos à Fortaleza. Dia 8 (Dia da Mulher), eu tinha um show agendado, pela manhã em homenagem às mulheres na sede do DETRAN. Um pouco antes de começar a apresentação, eu já estando no auditório, vi na primeira fila uma pessoa uma pessoa que achei parecida com alguém de Massapê. E era! Perguntei:

– Você é de Massapê, né?!

Ela afirmou com a cabeça, e falou:

– Eu soube da sua mãe!

Eita, dona Raimundinha, não foi mole não! Danei-me a chorar. Ainda, ensaiei explicar ao público o motivo do choro, mas pedi para fazê-lo só após a apresentação. Pois, se eu o fizesse antes, não haveria condições emocionais de atuar.

Show terminado, esclareci o motivo do choro! E, naturalmente, comecei a chorar de novo!

… E por que não pedi para um colega me substituir? Este show foi contratado por uma senhora que era Ouvidora Geral do Estado do Ceará. Eu já tinha feito um para ela, e ela disse ter gostado muito. Fiquei com medo de mandar alguém no meu lugar, e, em vez de levar alegria, comprometer meu nome com o conteúdo apresentado. Coisa que, aliás, ela tinha muita preocupação. Também, achei que aquelas pessoas não tinham que saber do meu sofrimento pessoal… Mas, souberam. Ao terminar, ela me elogiou muito, e falou do meu profissionalismo e tal…

Saí feliz… e choroso! Pois, naquele Dia da Mulher; eu que tinha acabado de perder a mulher mais importante da minha vida, estava ali, sorrindo e fazendo sorrir, como se nada estivesse acontecido. Se não fora a interferência da minha conterrânea, o show teria acontecido dentro da normalidade; pra elas, é claro!

EM TEMPO! A pessoa que encontrei foi a Alja, filha do seu Coraci!

Esta situação me faz lembrar um soneto do Pe. Antônio Tomás, que sei de cor, e divido aqui com vocês:

O PALHAÇO

Padre Antônio Tomás  

Ontem, viu-se-lhe em casa a esposa morta

E a filhinha mais nova, tão doente!

Hoje, o empresário vai bater-lhe à porta,

Que a plateia o reclama, impaciente.

Ao palco, em breve surge… pouco importa

O seu pesar àquela estranha gente…

E ao som das ovações que os ares corta,

Trejeita, canta e ri, nervosamente.

Aos aplausos da turba, ele trabalha

Para esconder no manto em que se embuça

A cruciante angústia que o retalha.

No entanto, a dor cruel mais se lhe aguça

E enquanto o lábio trêmulo gargalha,

Dentro do peito o coração soluça.

Mas, a senhora, minha mãe, sempre foi e continuará sendo, sinônimo de alegria. Foi da senhora, que herdamos o bom humor.

A Socorrinha, sua filha, me contou esta história, a seguir! Vê se a senhora lembra(?)  Foi numa de suas idas ao médico, e ele disse que a senhora deveria perder uns 10 quilos, devido aos problemas de dores nas pernas, que sentia. Sem pestanejar, olhando na cara do doutor, que tinha o corpo meio avantajado, a senhora falou:

– E o senhor, 20!

O Gerardim pergunta-nos:

 – Vocês sabem da viagem dela ao Estreito, onde um sujeito achou que ela tava velha(?)

E continua:

– Chegando lá, com o carro que o Chico deu, com motorista etc, toda arrumada, abafando, como se diz; aí, um cabra inconveniente, chegou bem perto dela e disparou:

– Vixe! a senhora é a mulher do Sargento Gerardo?

 Ao responder que sim, o sujeito arrematou:

– A senhora tá muito acabada!

Ao que ela retrucou:

– E eu, que pensei que o senhor já tivesse era morrido!

Teríamos muitas histórias pra contar, rir e emocionar; mas vou ficando por aqui!

Agora, ouvindo músicas do Roberto Carlos, que a senhora tanto gostava, despeço-me.

            Diga ao papai e aos nossos irmãos que estamos todos bem.

            Socorrinha (a daqui de casa), Jadim e Rafa mandam beijos!

            Sua bênção, minha mãe!

            E parabéns!

            Te amo!

            Ps.: Tô no Rio, na casa do Jadim. Ele tá morando aqui. Depois lhe falo!

Jader

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